Síria: uma trégua e muitas dúvidas
Uma trégua negociada por Washington e Moscou entrou em vigor na tarde desta segunda-feira na Síria, apesar de ser recebida com ceticismo a respeito de seu cumprimento ou não.
O acordo estipula um primeiro cessar-fogo de 48 horas a partir das 19H00 local (13H00 de Brasília) desta segunda nas regiões que não estão em mãos de extremistas como os do grupo Estado Islâmico (EI).
O exército sírio anunciou imediatamente a suspensão de suas operações militares até a meia-noite do próximo domingo.
Mesmo assim, a oposição ainda não havia expressado formalmente seu consentimento em relação ao acordo.
“A situação está em geral tranquila em todas as frentes, especialmente nas regiões de Damasco, Aleppo e Idleb, exceto por alguns foguetes lançados do sul logo antes do início da trégua”, disse à AFP Rami Abdel Rahma, diretor do Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH).
O acordo entre russos e americanos pode “ser a última oportunidade de salvar” a Síria, declarou o secretário de Estado, John Kerry, algumas horas após o início da trégua.
“Achamos que a única solução realista e possível para o conflito é, no fim das contas, uma solução política”, insistiu Kerry, destacando que ainda é “muito cedo para se tirar conclusões” sobre o sucesso da trégua.
O cessar-fogo tentará mais uma vez por fim ao derramamento de sangue que desde 2011 atinge a Síria, além de permitir conceder ajuda humanitária a milhares de civis.
Segundo o correspondente da AFP, na parte pró-regime em Aleppo o último disparo procedente do setor rebelde foi ouvido às 18H55 (12H55 Brasília). Na parte controlada pela rebelião reinava a calma desde às 17H00 (11H00).
Pouco antes que começasse a trégua, o general russo Sergei Rudskoi afirmou que o cessar-fogo alcançaria todo o país, mas que Moscou continuará atacando “objetivos terroristas”.
Se o cessar-fogo for mantido por uma semana, Rússia e Estados Unidos iniciarão – de forma inédita – ataques conjuntos contra os extremistas do EI, e da Frente Fateh Al Sham, ex-Frente al Nusra, facção síria da Al-Qaeda.
Depois de várias tentativas infrutíferas, principalmente a de fevereiro passado, persistem muitas incertezas sobre a possibilidade de se por fim a uma guerra que já deixou 290.000 mortos e expulsou de seus lares milhões de sírios.
– Reconquista
O presidente sírio Bashar al Assad de certa forma reduziu as esperanças de um rápido cessar dos combates ao declarar nesta segunda que quer recuperar todo o território que ainda não está sob controle de seu regime.
AFP / Omar haj kadour Pessoas feridas após bombardeio, em Idleb, Síria, no dia 10 de setembro de 2016
“O Estado sírio está determinado a recuperar todas as regiões que estão nas mãos dos terroristas e a restabelecer a segurança”, declarou Assad à imprensa estatal durante uma visita ao ex-reduto rebelde de Daraya, perto de Damasco.
O regime utiliza a palavra “terrorista” para fazer referência a rebeldes e jihadistas.
“Existem aqueles que têm ilusões e há cinco anos não se livraram das ilusões”, afirmou o presidente sírio, a respeito da oposição, de acordo com declarações divulgadas pela agência oficial Sana.
“Alguns apostavam em promessas do exterior”, disse, em referência aos apoiadores da oposição, como Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Arábia Saudita ou Turquia.
“Estas promessas não se concretizarão”, concluiu.
– Garantias
A oposição síria, por sua vez, pediu garantias sobre a aplicação da trégua.
“Queremos saber quais são as garantias. Esperamos que existam garantias e pedimos garantias especialmente dos Estados Unidos, que é parte envolvida no acordo de trégua”, afirmou à AFP Salem al-Muslet, porta-voz do Alto Comitê de Negociações (ACN) da oposição síria.
O anúncio da trégua na sexta-feira aconteceu após semanas de negociações entre Estados Unidos e Rússia, que apoiam respectivamente a rebelião e o regime, e no momento em que os insurgentes passam por dificuldades militares, depois de uma derrota na última batalha de Aleppo.
“Estamos revisando completamente (o acordo). É realmente importante conhecer os níveis de compromisso de todas as partes no acordo, especialmente os Estados”, disse Muslet.
“Qual é a definição escolhida para “terrorismo” e qual será a resposta em caso de violação?”, questiona.
O influente grupo rebelde islamita sírio Ahrar al-Sham, por sua vez, rejeitou o acordo de trégua entre Estados Unidos e Rússia, alegando que servirá apenas para “reforçar” o governo de Damasco e “aumentar o sofrimento” do povo.
Ahrar al-Sham foi o primeiro grupo rebelde a reagir oficialmente ao acordo firmado esta semana entre russos e americanos, em Genebra. Os demais grupos rebeldes – islamitas e não islamitas – e a oposição política ainda não deram uma resposta oficial.
“O povo (sírio) não pode aceitar soluções pela metade”, afirmou Ali el Omar, subcomandante-geral do grupo, em discurso divulgado no YouTube por ocasião da Aid al-Adha, a Festa do Sacrifício, que se celebra amanhã.
“O acordo russo-americano (…) faz evaporar todos os sacrifícios e avanços do nosso povo em revolta. Apenas contribui para reforçar o governo e encurralar militarmente a revolução”, denunciou.
Ele rejeitou ainda o segundo ponto do acordo, em virtude do qual Washington deveria convencer os rebeldes a se dissociar de um importante aliado extremista – a Frente Fateh al-Sham (ex-Frente Al-Nusra). Este último, afetado pelo acordo apenas de forma indireta, também reagiu no Twitter.
“É simples. O acordo russo-americano trata da eliminação daqueles que protegem os sírios”, indicou Mostafa Mahamed, um de seus porta-vozes, referindo-se ao grupo.
da Redação OEB
com Agência AFP
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