Uma matéria de grande relevância foi veiculada pelo Estado que entrevistou um dos mais experientes dos 11 procuradores do grupo da Lava Jato, em Curitiba – cérebro das apurações – procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima.
O Estado Brasileiro reproduz, na íntegra, o conteúdo Estadão.
Na reta final da coleta de 1,5 milhão de assinaturas de apoio ao projeto 10 Medidas contra a Corrupção e próximo de completar 2 anos da fase ostensiva da maior investigação sobre malfeitos no País, Carlos Fernando dos Santos Lima diz não ter dúvidas de que força-tarefa atingiu ‘grande esquema de compra de apoio político partidário através do loteamento de cargos públicos.
O procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima.
Próximo de completar 2 anos de sua fase ostensiva, a Operação Lava Jato atingiu a ‘maturidade’. Considerando ter chegado a um “grande esquema de compra de apoio político partidário” originado nas “altas esferas do Governo Federal”, o procurador Regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, que integra a força-tarefa do Ministério Público Federal, avalia que, mesmo que as investigações fossem interrompidas agora, “ainda haveria trabalho para muitos anos”, dentro e fora da Petrobrás. “Novas estatais virão. Novos bancos virão. Fundos de pensão virão”, afirmou um dos mais experientes dos 11 procuradores do grupo da Lava Jato, em Curitiba – cérebro das apurações – em entrevista ao Estado.
Perplexos – eles também! – com o incrível e audacioso esquema de corrupção identificado na Lava Jato, os procuradores esboçaram um projeto que denominaram 10 Medidas contra a Corrupção, com amplo apoio da Procuradoria Geral da República. O projeto está nas ruas, em busca da adesão popular. O sistema exige 1,5 milhão de assinaturas para que a Câmara acolha esse tipo de iniciativa. Foi assim na Lei da Ficha Limpa.
O 10 Medidas contra a Corrupção, segundo esperam os procuradores, permitirá agilização no combate às fraudes e desvios de recursos públicos e redução do quadro de impunidade do colarinho branco,
Na entrevista ao Estado, o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima destaca que o esquema descoberto na Lava Jato não se restringe a ‘uns três diretores da Petrobrás’.
Ele falou sobre o manifesto subscrito por dezenas de juristas renomados, entre eles muitos defensores de réus da Lava Jato, que atacaram a investigação, no início do ano. “O choro é livre em nosso País.”
Estado – Próximo de completar dois anos de fase ostensiva, pode-se dizer que a Lava Jato está em sua fase final?
Carlos Fernando dos Santos Lima – Vamos dizer que a Lava Jato alcançou sua maturidade. Significa que há muito a se fazer. Creio que hoje ninguém mais põe em questionamento a existência de um grande esquema de compra de apoio político partidário através do loteamento de cargos públicos importantes para que os partidos da base pudessem “fazer” dinheiro para suas campanhas. Mostrar isso era importante. Era preciso sair da Petrobrás para que não fosse dito que o esquema era apenas de uns três diretores corruptos. Assim fomos para a Eletronuclear, Belo Monte, CEF (Caixa Econômica Federal), e outras estatais, sempre com o objetivo de investigar esse esquema, que em si, é o mesmo. Infelizmente houve a decisão do caso Pixuleco e do caso Eletronuclear deixando de reconhecer essa conexão entre todos eles. Mas a força tarefa Lava Jato ainda pretende demonstrar além de qualquer dúvida razoável – apesar de ser quase de conhecimento público – que todo esse esquema originou-se dentro das altas esferas do Governo Federal.
Estado – Que rumos tomarão as investigações da força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, em 2016?
Carlos Fernando – Há muito que fazer ainda na área investigativa. Novas estatais virão. Novos bancos virão. Fundos de pensão virão. É claro que enfrentaremos dificuldades, especialmente aquelas criadas pelo próprio Governo, como no caso da lei de repatriamento e na MP 703, que alterou a Lei Anticorrupção, tornando-a uma lei criminogena, uma lei que incentiva a prática corrupta, pois permite que aqueles que sejam pegos possam escapar pelo simples pagamento de multas.
Além disso, há muito ainda a se investigar na própria Petrobras. Áreas inteiras, com orçamentos bilionários, em que há indicativos de irregularidades.
Muito há o que fazer, portanto. Mesmo que parássemos hoje de investigar, ainda haveria trabalho para anos. Ainda há muitas denúncias a oferecer, muitos processos para acompanhar, muitos recursos para interpor e responder. Mas é para isso que existe o Ministério Público.
Estado – As delações premiadas e as prisões cautelares têm sido os principais focos de ataques vindos das defesas dos réus e investigados ao trabalho da força-tarefa da Lava Jato. Qual critério se usa para adotar tais mecanismos de investigação? E dentro do conjunto de provas levantado, qual sua importância e efetividade.
Carlos Fernando – A colaboração, assim como a leniência das empresas, visa produzir provas e criar atalhos na investigação. Ao invés de ficarmos perdendo tempo e recursos elaborando hipóteses investigativas, a colaboração acelera as investigações. E o número delas apenas indica o quão amplo é o espectro da investigação, pois somente há interesse em uma colaboração se ela trouxer fatos novos, outros crimes além daqueles já conhecidos. Assim, os colaboradores devem falar sobre o que já sabemos que fizeram, mas também trazer depoimentos e provas que nos levem a um novo patamar na investigação. Dessa forma, não há colaboração em atacado, mas muitos crimes desvendados.
Agora, é evidente, até pelo próprio texto legal, que ninguém pode ser acusado somente com a palavra do colaborador. São necessárias provas, ou pelo menos indícios diversos e conducentes a uma mesma conclusão, para procedermos a uma acusação e conseguirmos uma condenação. Assim tem sido feito com êxito desde a Operação Banestado, quando inauguramos essa técnica especial de investigação.
Estado – No começo do ano um grupo de advogados divulgou manifesto atacando suposto “regime de supressão episódica de direitos e garantias verificado na Operação Lava Jato”. Chegam a afirmar que “magistrados das altas cortes do País estão sendo atacados ou colocados sob suspeita para não decidirem favoravelmente aos acusados em recursos e habeas corpus”. Contraponto, o índice de revisão das decisões do juiz federal Sérgio Moro é baixo, de cerca 2%. Qual leitura o senhor faz desses números diante das críticas, que chegaram a comparar a Lava Jato com o período do regime militar?
Carlos Fernando – Penso que muitos advogados vivem de vender seu passado. Não há a mínima analogia entre a ditadura e o Brasil de hoje. Vivemos num país de excesso de recursos, infindáveis habeas corpus, embargos de embargos de embargos, etc… Nosso país tem a fama da impunidade, e é ela merecida. Mesmo assim, ainda há possibilidade de se fazer um bom trabalho. As críticas soam familiares, pois são repetições do que aconteceu durante o mensalão. Os números absolutos de habeas corpus e recursos na Lava Jato mostram que há, em verdade, um abuso do uso desses recursos em nosso país, e o Ministério Público tem proposto, dentre outras medidas contra a corrupção, uma racionalização desse sistema.
Quantos às críticas, penso que ataques genéricos, sem a coragem de nominar pessoas ou apontar fatos concretos, somente desqualifica o manifesto. Mas, é claro, o choro é livre em nosso país.
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