Educação como fonte de desenvolvimento social e humano

OUÇA ESTA E OUTRAS MATÉRIAS NO PORTAL 100% DIGITAL.

Por Eliana França Leme
Artigo: “Educação e Padrão de Vida”
Estadão – publicado em 23/12/2020

Um dos problemas mais graves que o governo Bolsonaro está deixando, além do desprezo pela questão ambiental, é a consequência do descuido que também beira ao desprezo,  na área da Educação.

Há dois anos tem imposto uma pauta ideológica e conservadora que tem paralisado o processo educacional no país, deixando de criar fundamentos e referências para o ensino nacional.

Com a pandemia isso se tornou mais grave ainda. Felizmente, os governadores dos estados da federação têm feito o seu trabalho da melhor forma possível, mesmo que os recursos disponibilizados pelo governo federal tenham sido escassos.

Estudos na área da Filosofia da Educação tem cansado de demonstrar que uma educação de qualidade, promove o desenvolvimento social e humano de forma mais rápida e eficaz do que se imagina, pois o domínio do idioma quanto mais aprimorado, consegue  determinar a apreensão da realidade de forma mais ampla e capacita o indivíduo a pensar e observar criticamente a realidade que o cerca. E não só isso: permite que entenda melhor a si mesmo conseguindo assim desenvolver  habilidades para atingir seu potencial.

Um estudo da Fundação Getúlio Vargas chegou à conclusão de que, se o Brasil investir 1% a mais em Educação por ano, do seu Produto Interno Bruto, (PIB), o padrão de vida média do brasileiro poderia aumentar em até 26% nos próximos anos, podendo atingir o mesmo nível de vida média de países como Portugal.

“A educação é um investimento de longo prazo, cujos efeitos sociais e econômicos se tornam um patrimônio da sociedade. Basta olhar para os exemplos da Suécia ou da Coreia do Sul, países que evoluíram apostando no investimento do ensino”, lembra Samuel Pessoa, pesquisador da FGV e um dos coautores desse estudo.

Este estudo também concluiu que desde sempre, com exceção do governo de FHC, em um período marcado entre sucessivos anos de autoritarismo e democracia, a oferta de educação primária não foi incluída nas sucessivas estratégias de desenvolvimento, quando a educação básica foi sempre negligenciada.

Isso certamente ocasionou um atraso profundo na formação da mão de obra no nosso país e no seu IDH (índice de desenvolvimento humano), condenando o Brasil e grande parte do povo brasileiro à pobreza, quando não pobreza extrema e ao subdesenvolvimento.

Tal situação aprofundou em muito, a diferença abissal entre o que a elite tem acesso em termos de Educação e o que é oferecido às classes menos favorecidas. E o que poucos sabem é que essa distância, quanto maior, mais fortemente condena o país como um todo ao atraso.

Não se pretende aqui colocar o tema sob a ótica de questões ideológicas.  Tanto é assim que os pesquisadores do estudo da Fundação Getúlio Vargas  são ligados a movimentos liberais, como é o caso do citado economista Samuel Pessoa.

Digo isso porque é comum se considerar que é a esquerda quem tem o monopólio da preocupação social.

Na verdade, se a maioria das pessoas tivessem ideia de como a Educação impacta na vida das pessoas em geral e no desenvolvimento, por Deus,  todos iriam se debruçar sobre o assunto e só buscar e votar em governantes que tivessem a Educação como foco central de suas plataformas políticas.

Como mostrou o estudo da FGV, que cito abaixo:

“A universalização do ensino fundamental só foi assegurada na última década do século 20 e, mesmo assim, com um nível baixo de qualidade, como tem sido apontado pelos métodos nacionais e internacionais de avaliação de desempenho escolar.

Da década de 1990 para cá, a política educacional foi reformulada várias vezes. Se de um lado o governo Fernando Henrique Cardoso institucionalizou a avaliação escolar, com o objetivo de coletar informações que fundamentassem a formulação de uma política educacional de médio e longo prazos, de outro os governos Lula e Dilma privilegiaram modismos pedagógicos e implementaram projetos caros, porém mal costurados, como o programa Ciência sem Fronteiras.

E agora, nestes quase dois anos de governo Bolsonaro, o Ministério da Educação (MEC) entrou em estado letárgico, deixando de coordenar a reabertura das escolas de ensino fundamental e médio. Simplesmente eximiu-se de suas atribuições básicas ao longo de um ano letivo comprometido pela pandemia. “

Portanto, estamos andando para trás na questão educacional, por uma visão distorcida de que a pauta de costumes é mais importante do que a melhoria da qualidade do ensino em escolas públicas em todos os aspectos sobretudo no aprofundamento da qualificação e valorização dos professores.

Mas vejam que nem tudo está perdido! Há um esforço grande por parte de alguns governadores e estados que têm, apesar dos recursos escassos, utilizado bem e contado com a motivação de professores e profissionais da educação. E mesmo prefeituras.

É o caso do estado do Ceará! Independentemente das trocas de governo, o Estado nordestino adotou a chamada política de alfabetização contínua e a manteve  intocada ao longo do tempo. Não apenas investiu mais, como também se preocupou com a qualidade dos gastos no setor educacional. Desde então, o nível de desempenho em Língua Portuguesa dos alunos cearenses cresceu significativamente. E, em Matemática, são os que têm obtido as melhores notas nas avaliações nacionais.

“Exemplos como o do Ceará devem ser aplicados em todo o País. Dá para imaginar que, nos próximos anos, os cearenses terão um surto de desenvolvimento resultante da educação, o que poderia estar ocorrendo também em outros Estados”, afirma Samuel Pessoa. 

Exemplo alvissareiro também se deu no estado de Pernambuco, mais especificamente no Recife, onde o ensino básico tem tido um desempenho excepcional.

Este estudo da FGV sobre o impacto da Educação no desenvolvimento do país finaliza mostrando a importância que não costumamos dar infelizmente,  ao processo de aprendizagem que se dá através da Educação formal e muitas vezes, não formal também, e que realmente influencia a qualidade de vida dos brasileiros e o desenvolvimento do país.

“Como Samuel Pessoa, outros economistas da FGV apontam que investir na educação 2% do que o País produz a cada ano poderia elevar em quase 32% o aumento da produtividade. Apesar dos altos níveis de desemprego no País, as empresas alegam que, por causa da baixa qualificação média da população brasileira, não estão conseguindo preencher vagas que exigem qualificação profissional e competências específicas. Essa é a razão pela qual o Brasil até hoje não igualou a proeza da Coreia do Sul, que investiu em ensino básico e profissionalizante com o objetivo de dar um salto de desenvolvimento e, por consequência, de melhora do padrão de vida médio de sua população. 

Estudos como o da FGV são fundamentais para apontar os rumos que o País deve seguir para promover a revolução educacional. Mas é preciso que os governos saibam interpretar suas conclusões e agir com coerência e determinação, o que não é o caso, infelizmente, do governo Bolsonaro.

Eliana França Leme
Fonte: Estadão
Artigo: “Educação e Padrão de Vida”
publicado em 23/12/2020